Crônica da semana é da revisora Rosana Justus Braga | aRede
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Crônica da semana é da revisora Rosana Justus Braga

O texto faz parte do projeto Crônicas dos Campos Gerais

Rosana é formada em Letras Português-Francês pela Universidade Católica do Paraná
Rosana é formada em Letras Português-Francês pela Universidade Católica do Paraná -

Da Redação

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O texto faz parte do projeto Crônicas dos Campos Gerais

A cronica

Cegueira temporária, espero. Pois ando à procura da crônica, e nada; oculta ou revelada, sei que anda por aí. Olho e não vejo, embora a vida persista, silenciosa e ágil, enquanto sei que me escapa irremediavelmente.

Estaria ela nos tormentos do homem que ali vai, rua abaixo, num ritmo de ofegar a quem se põe a observá-lo? Ou na mulher de preto refletida na vidraça, miragem de todas as dores? Talvez no padre que se precipita pela lateral da igreja e se perde no anonimato da multidão?

Tento encontrá-la no bar, onde flagro o homem e a decisão do primeiro copo; no pombal instalado sobre a estátua do general Osório; nos olhos opacos de quem espera em longas filas, rumo ao subúrbio de suas vidas. Mas ela apenas se mostra de viés, provocação fugidia, leve rastro de possibilidades e logo se dissipa, feito água da chuva que escoa diligente pelos canais.

Nem sempre se tem a percepção aguçada, o espírito vivo, nem sempre o encontro acontece. Muitas vezes, caminhamos lado a lado, respiramos o mesmo instante, quase nos tocamos, mas o milagre não se faz.

Entro na confeitaria e sossego diante de uma xícara de café.

Na mesa ao lado, vejo um moleque entregue à luxúria de sonhos e merengues. Fico a lhe notar as roupas surradas, a pele encardida, os olhos ariscos de gazela. Dez, doze anos, não mais, com a voracidade de uma geração de esfomeados.

Termino meu café e esqueço de ir embora.

Vou ficando até ver consumido o último pedaço, o açúcar dos dedos sendo sugado em estalos ligeiros pela língua ainda ávida. O refrigerante desaparece em segundos, garganta abaixo. Para arrematar, um sonoro arroto ecoa na pequena sala.

Todos olham...

Menos eu, que já olhava. Mas o menino encara a seleta plateia e escapa do mau jeito fazendo cara de azarado e rindo de si mesmo. Provoca risos e empatia à sua volta. Desabrocham gestos de entendimento e cumplicidade, confraternização que acontece, inesperada, entre novos amigos.   

Quando ele sai, saio atrás, a alma em férias, levando comigo a crônica que, por fim, encontrei.

Texto produzido no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.

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