Crônicas dos Campos Gerais: “O caçador de borboletas” | aRede
PUBLICIDADE

Crônicas dos Campos Gerais: “O caçador de borboletas”

Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, natural de Ponta Grossa

Rosana Justus Braga é Formada em Letras Português-Francês pela Universidade Católica do Paraná.
Rosana Justus Braga é Formada em Letras Português-Francês pela Universidade Católica do Paraná. -

Da Redação

@Siga-me
Google Notícias facebook twitter twitter telegram whatsapp email

Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, natural de Ponta Grossa 

Costumava perambular nas madrugadas. Rede na mão, bem antes do sol se espreguiçar no horizonte, ele já estava lá, sob a luz dos postes, das eventuais lamparinas onde as mariposas vinham se debater, atraídas pela emanação luminosa.  

Um leigo diria que tais seres voláteis, de hábitos noturnos, se parecem uns com os outros, mas sob o olhar agudo do cientista cada qual encontrava sua identidade, sua família, seu espaço único no catálogo que vinha se formando ao longo dos anos.

Com o dia claro, o interesse desse caçador se voltava para os campos em torno da cidade, e sua rede ia apanhando no ar as multicoloridas asas que flanavam por ali. Não só as borboletas, sempre fascinantes, mas também os louva-a-deus, donzelinhas e libélulas, as cigarras, os gafanhotos, tudo era motivo de estudo. Não os levava todos para casa, devolvia à natureza aqueles que se repetissem em sua rede ou que já estivessem acomodados nas belas gavetas que ele próprio confeccionava, em improvisada carpintaria, no fundo do quintal.

Essa oficina era um reduto inviolável. Ninguém ousaria ali entrar. Para os netos, fonte permanente de curiosidade e temor, pois sempre se temia o infortúnio de ceder à tentação e botar os pés no famigerado recinto, atrevimento que não passaria despercebido da vigilância do velho avô.

Um dos grandes prazeres desse entomólogo autodidata era apresentar sua coleção de insetos. O visitante, adulto ou criança, ouviria de antemão as recomendações e cuidados, nada de colocar dedos no vidro, puxar gavetas, atropelar interesses. Sobretudo, que se acalmassem, pois seria uma visita de aprendizado. Só então, podia-se entrar no recinto sagrado - a sala da coleção.

Narrador entusiasta, gostava de mesclar mitos e lendas às suas pesquisas, e cada inseto espetado adquiria vida na imaginação de quem a tivesse.

Foi com tal espírito cauteloso que vivenciei, ao longo da infância e adolescência, cada incursão nesse território.  Nunca com menor ansiedade ao transpor tamanho limite. O mundo de fora e o mundo da coleção do meu avô.

Com pinceladas de lembranças e fantasias, construí a imagem desse avô dentro de mim. Misturado ao verde dos campos, com uma rede nas mãos, é como o encontro sedimentado na minha memória. 

Texto produzido no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.

PUBLICIDADE

Participe de nossos

Grupos de Whatsapp

Conteúdo de marca

Quero divulgar right

PUBLICIDADE