Crônica dos Campos Gerais: Caderno de receitas | aRede
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Crônica dos Campos Gerais: Caderno de receitas

Crônica dos Campos Gerais: Caderno de receitas

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais
Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais -

Da Redação

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Crônica dos Campos Gerais: Caderno de receitas

Quase totalmente azul, não fossem os pés e os puxadores das gavetas serem pretos, aquele armário de cozinha permaneceu estático e útil, no mesmo canto, por muitos anos. Móvel simples, composto por duas portas e duas gavetas. A tela de arame na metade superior das portas ventilava seu interior. Não havia geladeira e o armário, resignado, executava as duas funções: acomodar as louças e proteger os alimentos embora sem refrigeração.

Numa das gavetas os talheres. Na outra a toalha de mesa e o caderno de receitas. Com sua capa xadrez, folhas amareladas, esparsas manchas de gordura e alguns pingos de massa, provavelmente de cuca de banana, ele sobrevivia. Receitas registradas com letra caligráfica, a data e a identificação de quem a compartilhou, geralmente um parente, uma comadre ou vizinha. Sequilhos, pudim de mandioca, bolo de fubá, cabrito assado com batatas, costela na cerveja, empadão... O caderninho deitava sobre o trigo espalhado na mesa de madeira, que hoje seria chamada de “ilha”, dividindo espaço com o açúcar, fubá, ovos, fermento, margarina e logo um cheirinho bom tomava conta da casa quando a forma deixava o forno do fogão Econômico.

Assar alcatra e linguiça aos domingos era um costume que perdura. Era imperioso que a linguiça fosse do Açougue do Adi, a mais famosa da cidade, acompanhada de várias saladas. Ainda se podia consumir palmito in natura que os caminhoneiros traziam do litoral para a capital e cidades do interior. Após uma fumaceira num barril metálico no quintal, usado como churrasqueira, a carne era servida e o domingo se iluminava.

Alcatra é um corte nobre, carne macia e suculenta. Junto ao osso, um naco do filé mignon ainda mais macio. Entrelaçada num espeto tridente, a carne esticada era levada a assar no calor da brasa incandescente. Ao ser servida no próprio espeto, em pé sobre a mesa, formava uma cortina densa que se interpunha entre as pessoas dos dois lados da mesa, mas que logo se tornava transparente e esfarrapada. Ninguém ouvira falar em Pavlov e nem sabia o que era reflexo condicionado. A “baba” era aceita naturalmente.

Ponta Grossa não possuía um prato típico para chamar de seu. Foi assim que numa decisão coletiva e oficial, elegeu-se o “Alcatra no espeto” como o prato típico ponta-grossense. O tempero dessa perdição gastronômica estava anotado naquele caderninho de receitas.

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