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Advogado David Cardoso fala sobre a criminalização de drogas

A criminalização de algumas drogas é sempre objeto de polêmico debate

Advogado discorre sobre criminalização de drogas
Advogado discorre sobre criminalização de drogas -

Da Redação

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Ultimamente, com o julgamento perante o STF (Supremo Tribunal Federal) da inconstitucionalidade do uso, ainda mais.

As posições são usualmente reduzidas a dois polos: legalizar ou continuar criminalizando. Pesquisa recente aponta que 70,9% da população é contra "legalizar" a maconha e 84,3% contra a cocaína.

Reduzir questão bastante complexa a tamanho simplismo é péssimo começo, pois passa a impressão de que criticar a criminalização é sinônimo de apoiar o uso indiscriminado de drogas ou negar seus possíveis malefícios à saúde.  

É bastante comum ouvir argumentos como: drogas são perigosas, geram crimes e, caso legalizadas seu consumo aumentará. Essas ‘teorias do dia a dia’ pautam não apenas a percepção do cidadão comum, mas também o trabalho policial e critérios de julgamentos (BARATTA, 42).  

Esse texto se debruça sobre algumas premissas que acompanham essa discussão. Os títulos dos tópicos são as proposições verdadeiras.        

Proibir drogas não reduz a oferta e nem a demanda de drogas ilícitas
O objetivo manifesto da Lei 11.343 de 2006, a Lei de Drogas, é prevenir o uso indevido e reprimir a produção e venda ilícita de drogas, conforme seu artigo 3o.

A Global Comission on Drugs, respeitada organização internacional, afirma que a criminalização não reduz nem a oferta e nem a demanda por drogas:

"Os imensos recursos gastos na erradicação da produção, repressão aos traficantes e criminalização dos usuários não foram capazes de reduzir a oferta nem de reduzir o consumo de drogas. Pequenos êxito, obtidos aqui e ali com a eliminação de uma determinada fonte de produção foram invariavelmente compensadas pelo surgimento de outras organizações criminosas e pela migração da produção para outras áreas".

O fracasso na redução do uso de drogas com a criminalização não é peculiaridade brasileira. Não houve queda em nenhum país que adotou a política de proibição, de "Guerra às Drogas". Há outras políticas mais adequadas para atingir a redução, como se verá.

Regulamentar uso não necessariamente aumenta consumo
Há a crença falsa de que "legalizar" drogas ilícitas aumenta seu consumo e disponibilidade, pois é mais tolerante.

O próprio termo "legalizar" é equivocado, pois passa a impressão que há apenas as opções de criminalizar e o contraposto "libera geral". É mais correto falar em regulamentação.

Diversas evidências demonstram que a regulamentação do uso de drogas não gera aumento de uso de drogas.

As experiências mais bem sucedidas com a redução de uso abusivo de drogas são aquelas em que houve regulamentação restritiva da droga.

Regulamentação legal restrita é permitir o comércio da substância com diversas restrições, como quanto ao local de uso, tributação mais elevada, proibição de propaganda para incentivar consumo e campanhas educativas sobre os malefícios do uso, além de focar na redução de danos aos usuários abusivos.

O Brasil adota essa política em relação ao tabaco e, de maneira exitosa, reduziu em trinta anos o uso de tabaco de 35% para 12% da população maior de 18 anos (MARONNA, 184).

Diversos estudos indicam que a regulamentação legal estrita é o modelo que mais reduz o uso de drogas. Tanto proibir criminalmente quanto liberar de maneira não regulamentada, com mais preocupação sobre o bem estar econômico dos produtores do que com a saúde dos usuários, são igualmente ineficazes para reduzir o consumo (MARONNA, 185).

Maior risco à saúde não guarda relação com drogas serem proibidas
O artigo 1o, parágrafo único, da Lei de Drogas considera drogas como "as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei".

Há a impressão de que as drogas proibidas serão aquelas com maior poder de causar dependência e danos à saúde. Isso não é verdade. Não é possível verificar que substâncias sejam proibidas com base em parâmetros científicos sobre risco.

A exemplo, estudo indica que 9% dos usuários de maconha desenvolvem vício, comparado a 32% para nicotina, 23% para heroína, 17% para cocaína e 15% para álcool. (DIEHL, p. 30) Ainda:

"Estudo conduzido no Reino Unido e que se tornou referência para outros estudos semelhantes identificou dezesseis critérios de ofensividade individual e social, apontando que as drogas mais lesivas para os usuários, nesta ordem, foram a heroína (escore parcial 34) e a meta-anfetamina (32), enquanto as mais lesivas a terceiros foram o álcool (46), o crack (17) e a heroína (12). Quando os dois escores parciais foram combinados, o álcool foi a droga mais lesiva, seguida da heroína e do crack. (p 131)."

Uso de drogas não é problema de saúde. O problema é o uso abusivo de drogas
Há percepção equivocada de que o uso de drogas é, em si, um problema. O conceito de drogas psicoativas, segundo a Organização Mundial da Saúde são aquelas substâncias que "quando ingeridas ou administradas, afetam processos mentais como a percepção, a consciência, a cognição e as emoções" (MARONNA, 119).

Álcool, tabaco, cafeína e açúcar são drogas. É difícil achar pessoa adulta que não consuma ao menos um tipo de droga todos os dias. Obviamente, há efeitos adversos decorrentes do uso, como também outros positivos. O uso de drogas não abusivo é questão afeta à intimidade de pessoas adultas e sua liberdade de escolher quais substâncias pretende ingerir.

Assim como muitos consomem álcool, café e açúcar e não apresentam disfuncionalidades por isso, o mesmo ocorre com drogas ilícitas: "pesquisas mostram repetidamente que esses problemas afetam apenas de 10% a 30% daqueles que usam até mesmo as drogas mais estigmatizadas, como heroína e metanfetamina" (HART, p. 25).

Por outro lado, há, sim, problemas decorrentes do uso abusivo de drogas. Embora atinjam a minoria dos usuários, é algo que sempre ocorrerá e deve receber a atenção da sociedade e dos serviços de saúde.

A maconha não é porta de entrada para outras drogas
Cada dia é mais difícil apresentar a maconha como droga perigosíssima, até pelo crescimento de seu uso medicinal. Daí se justifica sua proibição por ser "a porta de entrada para outras drogas mais pesadas".

Carl Hart, um prestigiado pesquisador de neurociência da Universidade de Columbia, explica:

"a teoria da porta de entrada da maconha exagera grosseiramente as evidências ao confundir correlação com causalidade. É verdade que a maioria dos usuários de cocaína e heroína começou primeiro com maconha. Mas a vasta maioria daqueles que a fumam nunca passa às assim chamadas drogas mais pesadas. Dizer que a maconha é uma 'porta de entrada' para drogas 'mais pesadas' não tem fundamento: a correlação, um mero elo entre fatores, não significa que um fator seja a causa do outro" (HART, 21).

O exemplo de Hart de falácia semelhante é interessante: pode-se dizer que há uma correlação entre pessoas na rua com guarda-chuvas abertos e a chuva. Mas é errado enxergar nisso relação de causalidade: afirmar que chove porque as pessoas abriram seus guarda-chuvas.

Drogas não geram crimes, proibir drogas sim
Afirma-se que drogas são fator criminógeno, ou seja, causam crimes. Assassinatos ou roubos seriam praticados por causa das drogas, seja pela influência da droga na tomada de decisões ou para sustentar o vício. Logo, combatendo as drogas haveria redução de crimes violentos.

O Brasil apresenta taxa de homicídios cerca de quarenta e quatro vezes maior que a norueguesa, bem como taxa de encarceramento seis vezes superior. A Noruega tem problemas muito mais graves de uso abusivo de drogas que o Brasil (consultar aqui).

Apontar as drogas como responsáveis pela elevadíssima criminalidade do Brasil é procurar bode expiatório para esconder justamente o que o Brasil tem de diferente da Noruega e explica nossos índices mais elevados de criminalidade: pobreza e desigualdade social.

Por outro lado, a proibição de drogas, ao relegar um mercado multibilionário à ilicitude, acaba por financiar organizações criminosas. Elas se valem dos recursos advindos da venda de drogas para comprar armas, praticar violência e corromper agentes públicos.

Não é coincidência que o Comando Vermelho tenha surgido em 1978, dois anos após a Lei 6.368 de 1976, uma Lei sob ótica de Guerra às Drogas.

Mais prisões não necessariamente reduzem criminalidade
Comparados países ricos, o único a apresentar problemas mais graves de violência é os EUA, que têm população carcerária muito elevada. Os países da Europa ocidental têm proporcionalmente menos violência e menos encarceramento. O mesmo resultado é obtido caso comparado o Brasil com os menos violentos e menos encarceradores Uruguai e Argentina (consultar aqui).

A relação está mais para o oposto: países com taxas de encarceramento maior costumam ser mais violentos. Isso é explicado por Georg Rusche e Otto Kirchherimer, em Punição e Estrutura Social, obra já abordada em texto anterior deste autor nesta coluna da ConJur. Práticas criminais mais severas costumam acompanhar sociedades mais desiguais e com pobreza extrema  e por isso, mais violentas (RUSCHE).

Isso não quer dizer, por outro lado, que se defenda sociedade sem punições. A punição deve ser a ultima ratio, o último mecanismo a ser adotado e, preferencialmente, para atos mais graves, como homicídios e estupros, como defende Nils Christie, em Uma Razoável Quantidade de Crime. O que ocorre hoje é o contrário. As forças policiais e o aparato de justiça se esforçam para cuidar de milhões de casos pouco relevantes, como posse de pequena quantidade de drogas, enquanto apenas de 5% a 8% dos homicídios e latrocínios são investigados (aqui).

Conclusão
Em 1990 o Brasil tinha cerca de 90 mil presos. Esse número pulou para quase 800 mil atualmente, aproximadamente um terço dessas condenações pela Lei de Drogas. Hoje, os índices criminais são piores e há insatisfação generalizada com a segurança pública. Há quem defenda continuar trilhando o caminho dos últimos cinquenta anos: mais e mais prisões, sabe-se lá até quando.

Há a máxima de que: insanidade é agir da mesma maneira e pretender resultados diferentes. Vários países estão alterando sua política de drogas, a ONU, recentemente, exortou os países a fazê-lo.

O Brasil, com a política de drogas considerada a pior entre trinta países analisados (MARONNA, 86), encontra enorme resistência para refletir sobre esse assunto fora de tabus e preconceitos. 

É um ótimo começo aquela postura de desconfiança socrática, perceber que o censo comum sobre esse tema é muito equivocado.

É preciso saber diferenciar os imperativos morais pessoais dos melhores critérios para uma política pública. Políticas públicas por vezes obedecem a lógica contraintutiva. Na política de drogas ocorre isso: a proibição não é o meio mais eficaz para reduzir o consumo.

É preciso discutir esse tema baseado em evidências científicas e exemplos concretos de experiências exitosas do Brasil e de outros países.

Com informações: Assessoria da imprensa. 

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