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Geração cabisbaixa

Afonso Verner

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Algo faz com que jovens nascidos entre 1990 e 1998 andem cabisbaixos, olhando sempre para uma pequena telinha que carregam nas mãos. A síndrome do ‘cabibaixismo’ já foi amplamente estudada por vários cientistas nos mais respeitados laboratórios do mundo da medicina e psicologia. No entanto, os profissionais nunca conseguiram chegar a uma conclusão que fosse consenso – a única coisa que se sabe é que a causa do distúrbio é aquela caixinha luminosa que os pacientes insistem em carregar nas mãos.

Esse aparato tecnológico veio para acabar com as confraternizações dos domingos à tarde, minar a conversa entre amigos durante o intervalo das aulas, causar discórdia durante os almoços em família, prejudicar o delicado relacionamento entre indivíduos extremamente curiosos com a vida alheia – além de causar problemas que quase levaram ao estopim da Terceira Guerra Mundial. Nesse novo confronto bélico de contornos mundiais, o principal perigo advém de um novo país, com leis e modos muito diferentes e modernos: o Faceboquistão.

Num mundo azul e branco em que todas as opiniões são aceitas, moradores do Faceboquistão são as principais vítimas da síndrome do ‘cabibaixismo’ crônico que tem alarmado todo o planeta. Mas uma parceria entre médicos e profissionais de sistemas de informação pode trazer uma solução para a doença: um novo APP (aplicativo de celular) que promete erguer a visão dos pacientes na altura ‘normal’ e diminuir drasticamente problemas na coluna e acidentes causados pelo ‘cabibaixismo’.

Enquanto esse revolucionário programa de celular não é criado, os jovens continuam a sofrer com o ‘cabibaixismo’ crônico. Essa síndrome passou a destruir famílias, causar intriga entre namorados com Iphones e namoradas fãs do sistema Galaxy, além de propiciar tropicões épicos na rua e discussões dramáticas entre alunos e professores nas redes sociais. No meio de mortos e feridos, o criador da parafernália causadora do ‘cabibaixismo’, um empresário estadunidense cheio de si e portador de um ego acima da média, continua lucrando milhões com aqueles pacientes cabisbaixos mundo à fora. Ele mesmo prefere entrar no Faceboquistão pelo computador, para evitar a fadiga da coluna baixa e os possíveis tropicões.

Sem se dar conta ao perigo que estão expostos, jovens continuam cabisbaixos, cheios de curiosidade para saber quem curtiu o seu último status e quem foi o autor daquela cutucada esperta. Enquanto isso, um belo (e verdadeiro) pôr do sol ilustra o fim de tarde em Ponta Grossa – o paciente que sofre do ‘cabibaixismo’ até observa esse estranho fenômeno. Mas o objetivo é apenas garantir uma foto que alcance alguns ‘curtir’ no Faceboquistão e mais uns ‘likes’ no Instragram – não demora muito para que o pôr do sol se torne obsoleto, coisa de outro mundo.

Preocupados com essa nova moléstia que tanto aborrece os jovens, os pais dessa geração cabisbaixa passaram a tentar entender esse estranho fenômeno. Com o intuito de compreender aquela mágica caixinha luminosa que faz os filhos inclinarem o olhar para o chão, pais e mães criaram contas (uma espécie de certidão de nascimento) no Faceboquistão e em outros países do mundo virtual.

O que era pra ser uma saída para aquele problema social do novo milênio, passou a agravar ainda mais essa questão que também se desenrola para uma grave moléstia à saúde da população. A entrada de pais e mães nesse mundo cibernético acabou por arruinar de vez o familiar almoço de domingo, o café da tarde de sábado, as noites na pizzaria de sexta-feira e qualquer outro contato que não ocorra pelo touch screen da caixinha mágica.

Frente a esse catastrófico cenário, com reais possibilidades da eclosão de um confronto bélico mundial, preocupações quanto à força do sinal do wi fi e as falhas na Internet 3G, um grupo de pesquisadores passou a estudar uma solução final para a situação. Essa junta internacional de gabaritados cientistas percebeu que a única solução seria uma cartada final arriscada: diminuir a duração da bateria das maléficas caixinhas mágicas.

Percebendo o real risco de derrota, os cientistas logo se apressaram em construir essa novíssima arma no combate contra o ‘cabibaixismo’ crônico que tomava conta da sociedade. A única solução foi diminuir a autonomia daquela caixinha mágica que depois passou a ser conhecida como smartphone. Depois de muita irritação com a pouca duração da bateria daquela maravilha do século XXI e com o sinal da internet que sempre oscilava, aos poucos, pacientes afetados pelo ‘cabibaixismo’ esqueceram os “curtir” e voltaram a erguer a cabeça e querer enxergar pela janela do seu quarto a vida real que os rodeia.

Esse texto disputou o Concurso Nacional de Crônicas da Fundação Municipal de Cultura de Ponta Grossa e recebeu uma menção honrosa.

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