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Estado, religião e política: quais são os limites e relações?

Afonso Verner

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Eu devia ter uns seis anos de idade, no máximo sete. Era a primeira vez que entrava em uma repartição pública e prestava atenção na decoração do local e no ambiente em si. Lembro de ter perguntado para a minha mãe o porquê daquela cruz em cima da cabeça das pessoas que nos atendiam, todas mais altas que eu; ela foi evasiva na resposta: "Não sei, filho. Tem em todo lugar, é normal".

O ano deveria ser o de 1998, talvez 1999 e eu estava lá para fazer a minha matrícula em uma escola estadual da periferia de Guarulhos, cidade na região metropolitana de São Paulo. Naquela época Estado pra mim era o de SP (local em que nasci e cresci), religião significava ir a missa semanalmente e algumas lições da catequese (as poucas que eu lembrava) e política era um monte de gente engravatada falando coisas que eu não entendia e nem queria entender.

Daquele final de século XX para a primeira quinzena do século seguinte, muitas coisas mudaram socialmente, na política outros setores e segmentos sociais ganharam espaço e representatividade. Hoje (22 de junho de 2015), dezesseis anos após esse fatídico episódio envolvendo uma criança curiosa, a Câmara de Vereadores de Ponta Grossa provou, por A mais B, que tem gente que ainda confunde as relações de estado, religião e política (muito mais do que eu aos 7 anos de idade).

Essas (inter)relações, limites e dependências existem desde que a ideia de estado foi moldada. Poderia enumerar aqui uma dezena de regimes políticos que impõe ou impuseram religiões e hábitos ligados a adoração de determinado Deus. Ou também elencar quantas vezes segmentos religiosos interferiram na política de determinada cidade, estado ou nação.

Autores (muito mais gabaritados do que eu) já fizeram e continuam fazendo isso há anos. Estado e religião sempre se relacionaram (com mais ou menos frequência). Tem dúvidas sobre isso? Perceba como um candidato (principalmente nas eleições para o Executivo, por exemplo) sempre se liga, ou ao menos aparece com determinadas correntes religiosas. O inverso também é verdadeiro: líderes religiosos sempre figuram em eventos políticos de importância (algumas vezes a contragosto), eles também são líderes políticos, formadores de opinião, quando não se arriscam na política profissional como já vimos incontáveis vezes.

Dito isso fica claro que dizer que um estado ser laico (como o do Brasil em tese é) está longe de significar que ele esteja totalmente afastado da religião. Uma prova disso é que existem bancadas evangélicas muito bem organizadas e articuladas em todo Brasil, inclusive em Ponta Grossa - e sim, elas representam determinado setor social que cultiva determinados valores.

Nessa fatídica segunda-feira (a primeira do inverno 2015) a Câmara de PG se viu divida em dois lados - quase como se fosse uma eleição - durante a votação de uma emenda que exclui a diversidade sexual, direitos LGBTs e preconceito de gênero do Plano Municipal de Educação (PME).

Não entendeu? Os vereadores aprovaram algo que exclui as discussões de gênero, cidadania e direitos humanos LGBTs e diversidade sexual das diretrizes e metas da educação básica, fundamental, média e superior de Ponta Grossa pelos próximos dez anos. Sim, a bancada conseguiu retirar de discussão pelos próximos 10 anos algo que já vemos em novelas há um bom tempo.

Quer entender o tamanho da encrenca? Nossos filhos estarão impedidos de discutir algo intimamente ligado a sociabilidade e ao convívio e ao respeito com o outro nas escolas de Ponta Grossa durante dez anos. Escolas que são os locais onde boa parte das crianças tem a única oportunidade de uma discussão racional - da próxima vez impedirão de ensinar Darwin em terras pontagrossenses.

A Princesa dos Campos, mais uma vez, voltou ao século XVIII. Estado, religião e política se confundiram e se tocaram intimamente (essa frase seria tema para uma boa aula de sexologia, hein?) e perdemos de avançar em algo que poderia formar gerações mais conscientes quanto ao respeito ao outro e ao diferente.

Nada me espanta se daqui 10 anos meus filhos voltarem da aula e perguntarem para mim o porque eles vieram de uma mamãe cegonha e eu sempre escondi isso deles...

Nota do autor: Sou católico praticante, acredito em Deus, vim de uma família católica, vou a missa semanalmente, mas vivo no século XXI.

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