Sociedade em marcha ré

Tenho uma vaga lembrança da minha infância que até pouco tempo me deixava muito curioso. Meu pai, um homem sério, de poucos sorrisos mas com um coração bondoso, sempre zelou de uma caixa marrom que ficava guardada (meio que escondida) no armário da sala - sempre longe do meu alcance e de qualquer outra criança curiosa.

Aquele objeto sempre foi motivo de curiosidade e, principalmente, de medo durante a minha infância - era só o seu Antonio olhar feio que eu já entendia o recado. Há pouco tempo (não mais que dois anos) descobri que aquela fatídica caixa guardava alguns documentos sigilosos e fotos do meu avô, Afonso Verner (meu nome é uma homenagem a ele).

Meu avô e outros parentes (pessoas que eu também não tive o prazer de conhecer) foram sumariamente perseguidos depois - alguns até antes - do Golpe Militar de 1964 (alguns chamam de Revolução, me recuso a fazer o mesmo).

Meu avô e alguns dos seus irmãos chegaram a trabalhar para o Exército Brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial - vindos de uma família alemã que fugiu de Hitler, Afonso e seus irmãos ajudaram a inteligência militar a minar alguns pontos de resistência nazista no Brasil, principalmente no Paraná.

Alguns anos (e golpes) depois, as pessoas que antes colaboraram para a vitória sobre o absolutismo lunático de Hitler, acabaram se transformando em alvos de uma perseguição política. Tudo isso por serem considerados propensos ao Comunismo - ninguém nunca encontrou reais evidências disso.

Com o pouco que sei sobre esses e outros fatos familiares, fico confuso (para não dizer irritado) com o grupo de pessoas que diz marchar "pela família" e em prol da Ditadura Militar.

O argumento do (pequeno) grupo é que o Brasil vive uma libertinagem de corrupção e maus costumes (??). Talvez eles não saibam que um dos períodos mais corruptos da história brasileira foi sob o comando militar, como apontou o sempre preciso e referencial Elio Gaspari.

Esperar que uma ditadura encontre 'soluções' para problemas tão crônicos é sofrer de esquizofrenia em doses cavalares, sem dúvida alguma. A corrupção é quase que um daqueles males culturais: ou você acha que furar a fila no mercado e não devolver o troco que veio a mais também não são ações corruptas?

Enquanto alguns poucos (ainda bem que são poucos mesmo) pedem a volta de um regime opressor, continuo na torcida para que a sociedade não se mobilize em prol desse tipo de 'marcha ré' na evolução social brasileira e, desse modo, crianças não cresçam curiosas com caixas que escondem documentos dolorosos.