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Preconceito anacrônico, prazo determinado

Afonso Verner

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Na última semana a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) extinguiu a cota reservada para negros no vestibular - além de também diminuir a reserva de vagas para estudantes de escolas públicas. Esperei quase uma semana para me manifestar sobre o assunto por dois motivos: em 2010 entrei nessa mesma Universidade pelo sistema de cotas (para estudantes de escolas públicas) e tenho raízes familiares negras, indígenas e alemãs – ou seja, represento o típico brasileiro fruto de uma mistura étnica quase infinita. Por esses motivos resolvi aguardar alguns dias antes de comentar esse fato lastimável.

Me recuso a discutir a atitude antidemocrática do Conselho Universitário da UEPG em desconsiderar o relatório da comissão responsável sobre a política de cotas na Universidade. Quando se cria uma comissão e, ao mesmo tempo, se desconsidera o que ela relata sobre esse determinado assunto, o objetivo é claro: a comissão serve apenas para 'legitimar' uma decisão já tida como certa e disfarçar uma atitude pouco democrática. Prefiro me ater a outra questão: quem tomou essa decisão realmente crê que com oito anos de uma política de cotas parcial a UEPG (uma universidade pública paga com o dinheiro do contribuinte) já foi capaz de cumprir seu papel de diminuir a desigualdade social?

Pensar isso é um equivoco sem fim - eu diria que é quase um absurdo. Negros são discriminados e postos em condição desigual desde que o Brasil se entende por Brasil. Um pequeno período de concessão de vagas no ensino superior para os decentes desses negros escravizados e discriminados pouco ajuda nesse ‘acerto’ de contas de uma sociedade que tem um preconceito latente e anacrônico.

Nós, brasileiros, praticamos um racismo velado: conhecemos pessoas racistas, mas poucos admitem ter atitudes do tipo. Nesse mesmo sentido, temos um preconceito anacrônico que nos leva a pensar que menos de uma década de concessão de cotas foi o suficiente para colaborar com a correção de uma injustiça de séculos.

Isso fica ainda mais problemático quando lembramos que a política de cotas na UEPG é parcial: entrar na Universidade é só o primeiro passo – se manter no ensino superior (mesmo que seja público) custa caro e afugenta boa parte das pessoas com condições econômicas menos favorecidas. E a UEPG engatinhava no quesito auxílio estudantil...

Sem pensar nessas questões, o Conselho Universitário entendeu que a UEPG para contribuir a solução desse preconceito (e grande problema) anacrônico da nossa sociedade foi dada no prazo determinado de oito anos – período em que as cotas ficaram vigentes na Universidade. O mesmo encaminhamento é desenhado no futuro das cotas para alunos de escolas públicas.

Pensar que uma situação de desigualdade que perdura há séculos pode se resolver em poucos anos é ser anacrônico – além de demonstrar uma capacidade limitada de raciocínio. Colocar indivíduos em situação igualitária quando essas pessoas vêm de uma condição amplamente diferente é ser preconceituoso – as cotas eram apenas uma das várias maneiras de corrigir injustiças históricas. Infelizmente o Conselho Universitário da UEPG pensa que um prazo determinado pode resolver um preconceito anacrônico.

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