A Ditadura Militar e os Trabalhadores Ferroviários | aRede
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A Ditadura Militar e os Trabalhadores Ferroviários

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Profª. Drª. Rosângela Maria Silva Petuba

Professora Adjunta do Depto. de História/UEPG

Professora do Mestrado em História, Cultura e Identidades/UEPG

Em novembro de 1960, marítimos, portuários e ferroviários desencadearam uma Greve Nacional. Eles exigiam a aprovação do projeto de Lei que previa a paridade de vencimentos entre civis e militares. O movimento atingiu, mais ou menos, meio milhão de trabalhadores com grande repercussão em diversas cidades, inclusive em Ponta Grossa à época ainda um importante entroncamento ferroviário no país. A greve, decretada ilegal quase imediatamente após sua deflagração, foi tomada pelo governo JK como pretexto para ameaça de decretação de Estado de Sítio e sofreu forte repressão. Tanto as Forças Armadas, quanto a polícia intervieram em vários sindicatos, efetuando prisões de líderes e mantendo estações ferroviárias e portos sob forte vigilância policial. O movimento foi acusado de pretexto para agitação comunista e de realização de atividades subversivas, que visavam prejudicar a tranquilidade social e a paz do povo.O desfecho dessa greve realizada ainda no governo JK, dentro de um “clima de democracia”, nos dá mais ou menos a noção de como seriam tratados os trabalhadores ferroviários e suas organizações pelos governos do pós Golpe militar de 1964.

Não há dúvidas de que a longa tradição de luta dessa categoria causou desconfiança nos governos militares. Os ferroviários se converteram numa questão de segurança nacional e sua longa tradição de lutas foi vista como uma ameaça para a ordem e para a paz social. A repressão se abateu sobre os trabalhadores e seus sindicatos por meio da coerção pura e simples, mas também se desnudou em estratégias e mecanismos de reestruturação da carreira, rompendo ou modificando formas antigas e vitais de trabalho, convivência e aprendizado entre os trabalhadores e em campanhas midiáticas que buscavam conformar a combativa classe ferroviária a um ideal de colaboração com os governos militares.

O pronunciamento do Tenente Coronel B. M. dos Santos Sobrinho, superintendente da RVPSC em 1966, feito por ocasião da comemoração ao 2º aniversário do Golpe, esclarece um pouco o que os governos militares esperavam dos ferroviários “face aos novos tempos”: “O Brasil ultrapassou vitoriosamente a jornada mais difícil da sua luta começada em 31 de março de 1964, pela ordem, pelo respeito, pela dignidade, pela honestidade, pelo bem estar e pela tranquilidade da família brasileira [...] Os ferroviários coesos e decididamente empenhados, com grande esforço e entusiasmo no cumprimento da missão que lhes cabe no importante setor de transportes, estão dando a sua integral colaboração à gigantesca obra da Revolução Democrática, favorecidos pelo clima de ordem e de trabalho que reina hoje no Brasil.” [grifos do autor]

Assim os ferroviários eram convocados a se esforçarem em prol da “grande obra revolucionária iniciada no dia 31 de março de 1964” e em nome da ordem, respeito, dignidade, honestidade e tranquilidade da família brasileira continuar coesos e ordeiros, cumprindo sua missão no transporte e colaborando integralmente para o clima de ordem e progresso. Para a sobrevivência da ferrovia, era necessário abrir mão das dissensões, dos questionamentos e oferecer empenho e entusiasmo na execução de sua missão na área dos transportes. Para os governos militares, a recuperação das ferrovias dependia da sua capacidade de sobreviverem com um corte drástico de investimentos públicos que menos de dois anos após o golpe, já haviam sido reduzidos pela metade.

Mas não foi só isso! O Decreto 05/1966 embasado no Ato Institucional nº02 (1965), segundo o qual o Presidente da República podia baixar decretos e ato complementar sobre matérias de segurança nacional transformou a Rede Ferroviária Federal S.A e das entidades de classe profissionais vinculadas a ela em matéria de segurança nacional, criando caminho para coibir e reprimir qualquer discordância com o projeto do governo militar para as ferrovias e ferroviários brasileiros.

Sob o discurso da reestruturação econômica e da segurança nacional, o governo militar não só ensaiava o processo de “modernização conservadora e autoritária” do sistema ferroviário como visava atuar sobre as entidades de classes profissionais. O Decreto também atuou diretamente na estrutura da carreira ferroviária encarada a partir de então como uma atividade industrial, portanto, técnica e racional. Essa nova concepção entrou em confronto direto com toda a tradição de um ofício aprendido em termos técnicos, é verdade, mas também apreendido a partir de uma cultura de trabalho, de vida e de formas de organização advindas dele. Além disso, o Decreto determinava, também, que os cargos dos servidores que não se adequassem a essas novas formulações fossem extintos e que os trabalhadores fossem colocados em disponibilidade para efetuar outros serviços na União.

Assim a partir do Golpe 1964 foram sendo implantadas, sob as condições políticas e sociais do regime militar, mudanças no interior das empresas ferroviárias, principalmente na forma de recrutamento, feita a partir deste instante preferencialmente fora do universo ferroviário e na organização interna do trabalho, que ganhou um caráter mais racionalizado. Essas mudanças foram lentamente rompendo com as bases da cultura ferroviária construída ao longo de mais de um século de história e abriu caminho gradativamente para a privatização das ferrovias, a extinção dos transportes de passageiros, cujas consequências nefastas o Brasil e principalmente os trabalhadores brasileiros amargam até hoje.

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