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“Ao povo pontagrossense”: o JM e o golpe de 1964

Gabriel Sartini

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Profª. Drª. Carmencita de Holleben Mello Ditzel

Professora do Mestrado em História, Cultura e Identidades/UEPG

Prof. Dr. Niltonci Batista Chaves

Professor Adjunto do Depto. de História/UEPG

Professor do Mestrado em História, Cultura e Identidades/UEPG

No dia 07 de abril de 1964, em meio as tensões que envolveram o golpe civil-militar de 31 de março daquele ano, o JM chegava as bancas trazendo em destaque o posicionamento de João Vargas de Oliveira, que além de deputado udenista era o diretor-proprietário do jornal. Com o título “Ao povo pontagrossense”, a matéria resumia o pensamento de seu autor a respeito do conturbado cenário vivenciado pelo país naquele início de ano. O artigo, marcado por um forte apelo religioso (“Graças a Deus e a Nossa Senhora Aparecida”, escreveu ele por três vezes), pelo “combate sem tréguas ao comunismo” e pela defesa da ordem social, dedicava boa parte de suas linhas para informar que ele, Vargas de Oliveira, nada tinha a ver com as prisões políticas de ponta-grossenses ocorridas logo após o fatídico golpe.

Em 1964 o Jornal da Manhã chegava ao seu décimo ano de funcionamento, já havia se firmado como um importante produtor de discursos na imprensa local e suas matérias de fundo político serviam de referência para a opinião pública ponta-grossense. Desde 1962 o jornal pertencia a João Vargas de Oliveira, político tradicional que, na ocasião do golpe, ocupava o cargo de 1º secretário da Assembléia Legislativa do Paraná.

Entre março e abril de 1964 o JM, a exemplo do que ocorrera com a imprensa nacional, publicou inúmeros artigos tratando da delicada situação política então vivida pelo Brasil. Textos assinados por políticos e militares de renome (como o governador Ney Braga, o deputado Horácio Vargas, o general Amaury Kruel e o bispo Dom Antonio Mazzarotto), bem como manifestos locais (escritos por diretórios estudantis, centros culturais e pelo núcleo de senhoras católicas) ou nacionais (como o manifesto dos bispos brasileiros) ilustraram as primeiras páginas das edições do JM. De modo explicitamente maniqueísta, as matérias construíram a representação do bem (golpistas e seus apoiadores, classificados como democratas) contra o mal (todos aqueles que defenderam a manutenção da legalidade constitucional e que acabaram taxados de subversivos, comunistas e covardes).

Nesse contexto sobressaíram os artigos escritos por Vargas de Oliveira. Empresário, ex-prefeito de Ponta Grossa, deputado desde a década de 1950 e uma das principais lideranças da política paranaense nos anos 60, foi dele a voz que mais se destacou nas páginas do jornal no contexto do golpe.

Dois dias após o golpe, o JM estampou a “Proclamação ao Povo”, assinada pelos deputados João Vargas de Oliveira e Horácio Vargas, na qual parabenizavam os ponta-grossenses pela adesão ao movimento que pusera fim ao governo do presidente Jango e que colocava o Brasil no caminho contrário ao “comunismo que assombrava o país”. Ao findar o artigo, os deputados afirmavam que “em breve o povo brasileiro sentiria que estava no caminho certo, indicado pela democracia e tutelado pela lei.” Por justiça, faz-se necessário ressaltar que essa era, de modo geral, a linha discursiva encontrada na maior parte da imprensa brasileira naquele momento.

Por certo em Ponta Grossa, cidade historicamente marcada pelo conservadorismo político, os discursos que reafirmavam a necessidade do golpe (então tratado como “revolução”), iam de encontro a visão de mundo de boa parte da opinião pública local. No entanto, ao se defender da acusação de que fora responsável pela prisão de ponta-grossenses no imediato pós-golpe, o próprio Vargas de Oliveira deixa emergir uma importante informação: nem todos concordavam com as escaramuças do 31 março. A sua preocupação em negar envolvimento com as prisões demonstra que parte considerável da sociedade não se alinhou ao golpe. Recentemente, blogs e portais divulgaram os resultados de uma pesquisa realizada pelo Ibope pouco antes da ocorrência do golpe que mostram um apoio expressivo da sociedade brasileira ao presidente João Goulart.

Isso nos faz pensar que o apoio social ao golpe não foi tão absoluto, como querem fazer crer aqueles que gravitaram em torno da ditadura até 1985. Pelo contrário, o próprio João Vargas de Oliveira, pouquíssimo tempo após o golpe, usou o JM para fazer um mea-culpa. Em um artigo datado de 06 de agosto de 1964, ele criticou duramente a ordem instituída a partir do golpe e arrematou dizendo: “Não! A revolução que eu sonhei não foi essa que está ai!”. Infelizmente, já era tarde demais para retroceder e a história do país já estava lançada ao obscurantismo e ao arbítrio da ditadura.

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