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Ditadura Militar e Corrupção: uma reflexão atua

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Prof. Dr. Edson Armando Silva

Professor Adjunto do Depto. de História/UEPG

Professor do Mestrado em História, Cultura e Identidades/UEPG

Entre as palavras de ordem que justificavam o golpe militar no Brasil estavam a luta contra a corrupção e contra o comunismo. A bandeira da luta contra a corrupção, entretanto, não era novidade no Brasil. Ela foi o tema favorito de Carlos Lacerda e de uma ala da UDN que já havia participado de uma tentativa de golpe em 1955 na tentativa de impedir a posse de Jucelino Kubitschek. Retorna novamente como tema principal da campanha vitoriosa de Jânio Quadros que adotou uma vassoura como símbolo.

Durante a ditadura militar, entretanto, essa promessa é feita num novo contexto: a concentração do poder em uma instituição que se apresentava como “não política”. Aos olhos de uma parcela da população brasileira, finalmente uma instituição idônea reunia o poder necessário e tinha a vontade política para vencer o grande mal da corrupção no Brasil.

A acusação de corrupção foi a justificativa para a cassação de políticos de oposição e para a intervenção em sindicatos. A grande mídia aplaudia as iniciativas, não apenas porque estava sob censura, mas, hoje se sabe, porque aderiu entusiasmada ao projeto civil-militar que se implantava.

O AI 5, no seu artigo 8, determinava a perda dos bens para todos os que fossem condenados por corrupção. Para implementar esta norma o governo criou a Comissão Geral de Investigações (CGI) com poderes especiais para investigar e punir corruptos por todo o Brasil. Depois de anos de atuação, pouca coisa mudou. As armas da CGI foram apontadas apenas para contra os inimigos do regime enquanto os amigos ganhavam novos espaços de atuação. O historiador Ronaldo Costa Couto no livro “História Indiscreta da Ditadura e da Abertura” (Record, 1999) nos revela que o próprio presidente Geisel afirmou desolado que “A corrupção nas Forças Armadas está tão grande que a única solução para o Brasil é fazer a abertura”.

Se por um lado a corrupção adentrou os quartéis, por outro os empresários que apoiaram a ditadura ficaram milionários nas suas relações com o poder público. Grandes conglomerados financeiros e grupos de comunicação se formaram neste período com as benesses do Estado. Os casos da Organização Globo e dos Grupos financeiros ligados ao banqueiro Ângelo Calmon de Sá e ao também banqueiro Magalhães Pinto são histórias bastante conhecidas que ilustram as relações simbióticas entre os governos militares e uma parcela de empresários amigos do regime. Essas relações, entretanto não alimentavam escândalos na mídia, em parte devido à censura e em parte devido à franca adesão dos grandes veículos de comunicação ao regime.

O profundo fracasso dos governos militares em lidar com a corrupção, apesar do empenho sincero de alguns dos seus agentes, sugere a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o assunto. Então vejamos quais os erros cometidos na condução da sua política de combate à corrupção.

Me parece que o primeiro problema foi um diagnóstico infantil do problema, reduzindo a questão da corrupção à sua dimensão pessoal e moral. Assim, traçaram uma fronteira imaginária entre o “nosso grupo” (não políticos) e os corruptos que estariam alinhados nas fileiras dos adversários. Ora, a corrupção, definida aqui como “uso do cargo ou posição para obter vantagens pessoais”, é uma possibilidade em todos os agrupamentos que dependem de pessoas, sejam sistemas políticos, institucionais ou eclesiásticos. Em qualquer agrupamento humano haverão pessoas honestas, e outras que podem se revelar corruptas se encontrarem uma oportunidade. O adágio popular “se quiser conhecer uma pessoa lhe dê poder” é uma expressão cunhada pela experiência cotidiana com pessoas que “se transformam” quando tem a oportunidade dada pelo poder ou pelo dinheiro. Nenhuma instituição portanto está imune ao risco de se deparar com desvios nos seus quadros.

A única forma de controle da corrupção é justamente a limitação das oportunidade e do acesso à formas de poder ilimitado. Ora, este princípio foi um dos principais argumento em favor da instituição da democracia em oposição à apropriação mono-crática do estado pelo rei e pelos amigos do rei, no caso em análise, pelos amigos do regime. A separação dos poderes, e a instituição, com autonomia, de órgãos de controle são formas adicionais de se evitar o acesso a um poder ilimitado que poderia ser usado em proveito próprio no lugar do proveito público.

No caso da ditadura militar, a concentração de poder não foi uma vantagem no controle da corrupção, pelo contrário, criou as condições do agravamento da corrupção porque ofereceu a um grupo de pessoas acesso à uma rede de poder sem controle público. Vou exemplificar com uma pequena história contada de maneira divertida por um amigo do meu avô: - numa ocasião ele pegou carona com um amigo, jovem oficial do exército brasileiro que cometeu uma série de infrações de trânsito e, abordado por um policial rodoviário, mostrou sua autoridade de oficial, colocando o policial no “seu lugar”. Esse pequeno abuso de poder, entretanto, revela um pouco da estrutura de poder em uma ditadura. Cria-se uma rede de poder que liga o núcleo central, no nosso caso o general presidente, a agentes intermediários chagando até pequenos agentes da periferia que poderíamos exemplificar como um delegado do interior. Essa rede se constitui numa hierarquia definida pela proximidade do poder central e envolve inclusive os outros poderes constitucionais. Dessa maneira esta rede de poderes e micro-poderes garante a impunidade, não apenas de pequenos abusos de poder, mas no caso brasileiro inclusive dos estupros e assassinatos revelados recentemente pela comissão da verdade.

O erro central foi imaginar que a concentração de poder poderia extirpar a corrupção em qualquer sociedade. Um erro baseado no sentimento infantil que apela ao pai pela solução de seus problemas. Na nossa sociedade complexa a única forma de lidarmos com o permanente risco de desvios é o aprofundamento da democracia e o controle público das instituições. Não é demasiado observar que os discursos moralistas mais inflamados não são aqueles que propõe o aperfeiçoamento das instituições democráticas, mas aqueles que usam as acusações de escândalo como uma forma de eles mesmos terem acesso ao poder... de preferência ilimitado. Atitudes que lembram  o estilo golpista de Carlos Lacerda que prometia limpar a sociedade sem a necessidade da participação da população. Deus nos livre de novos salvadores da pátria.

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